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Comunicado - Liberdade Criativa e Juízo Crítico

Liberdade criativa e juízo crítico

Pode-se afirmar que uma obra que apresenta a tendência correcta não precisa de apresentar quaisquer outras qualidades. Também se pode dizer que uma obra que apresenta a tendência correcta tem que, necessariamente, apresentar também todas as outras qualidades. Esta segunda fórmula não é desinteressante. Mais, é correcta. Faço-a minha.

Walter Benjamin, “O autor como produtor”, 1934

A criação artística vive sempre de tensões entre as circunstâncias sociais, políticas, culturais e, necessariamente, estéticas do seu tempo. É fundamental que os processos criativos, o trabalho dos artistas, se possa exercer nessa tensão, exercendo uma permanente revisão do passado das práticas artísticas e da forma como estas dialogam com a cultura do seu tempo. Este processo tem que ser livre, isto é, não pode estar dependente de outras agendas senão aquelas que os artistas para si definem, certamente decorrentes das suas visões sobre a arte e o mundo.

Da mesma forma é também essencial que o juízo crítico se exerça livremente, tanto o do público como o juízo que é proferido de um ponto de vista particular, o do especialista – seja crítico, curador ou responsável de instituição cultural que, por natureza, tem de efetuar juízos, escolhas e mediações.

Numa altura em que, por várias formas, existem pressões sobre os artistas e as instituições, os críticos e os mediadores para corresponderem a agendas específicas e a elas cingirem as suas escolhas num exercício de autocontenção e mesmo censura, é necessário afirmar que o juízo crítico deve reivindicar permanentemente a sua liberdade. Como também deve reivindicar o seu caráter relativo e a sua subjetividade, porque o juízo crítico não se pode reivindicar de qualquer representatividade política sob pena de encarnar o mais perigoso autoritarismo.

Esta liberdade crítica não implica, claro está, qualquer alheamento das questões do mundo: pode e deve delas estar consciente e partir de um ponto de vista, informado, consciente e assumido – e, portanto, debatível. Se assim não for, não haverá outros juízos senão morais, outras decisões senão as que pretendem ter-lhes sido outorgada uma legitimidade superior, oriundas de pontos de vista autoritários.

Nem os artistas, nem a crítica, nem o público, o podem aceitar.

 

As frases de Walter Benjamin (escritas nas paredes de uma instituição cultural de Berlim) implicam isto mesmo: a crítica pode exercer-se sobre todas as qualidades de uma obra de arte, também sobre a sua tendência política que, em si mesma e só por si, não a legitima.

A AICA Portugal afirma, assim, a necessidade de defendermos coletivamente o espaço para o livre exercício da criação artística e a prática crítica e curatorial, agindo e dialogando no plano do sensível, assumindo as implicações sociais da arte e do pensamento crítico.

A AICA Portugal repudia veementemente quaisquer derivas autocráticas, moralistas ou pretensamente representativas e afirma a necessidade de se manter um espaço público coletivo e livre para o exercício do pensamento e das práticas artísticas, valorizando a negociação nas zonas de contacto deste nosso campo comum.

 

Lisboa, 29 de Dezembro de 2021

A Direção da AICA Portugal (Ana Tostões, Sandra Vieira Jürgens, Pedro Baía, João Belo Rodeia, Catarina Rosendo)

 

Lista completa de subscritores (em atualização):

Adriana Molder (artista)
Alexandra Balona (crítica e curadora independente)
Álvaro Siza (arquitecto)
Ana Anacleto (curadora)
Ana Cravinho (arquitecta) \ Ana Pérez-Quiroga (artista) \ Ana Rita Martins (arquitecta) \ Ana Vaz Milheiro (arquitecta)
Ana Vidigal (artista)
André Cepeda (artista)
António Júlio Duarte (artista)
António Pinto Ribeiro (programador)
Bárbara Reis (jornalista)
Bernardo Dias (arquitecto)
Bernardo Pinto de Almeida (historiador da arte e professor)
Bruno Baldaia (arquitecto)
Bruno Marchand (curador)
Carlos Antunes (arquitecto, director do CAPC)
Carlos Machado e Moura (arquitecto)
Carlos Natálio (crítico de cinema)
Carlos Nogueira (artista plástico)
Celina Brás (directora Revista Contemporânea)
Clara Ferreira Alves (jornalista)
Cristina Guedes (arquitecta)
Cristina Guerra (galerista)
Dalila Rodrigues (historiadora da arte)
Daniel Ribas (crítico de cinema)
David Blanch Diniz (arquitecto)
David Santos (curador)
Delfim Sardo (curador)
Désirée Pedro (arquitecta, directora do CAPC)
Edgardo Xavier (crítico de arte e artista)
Eduarda Neves (curadora)
Eduardo Corales (arquitecto)
Eduardo Souto Moura (arquitecto)
Elísio Summavielle (presidente Fundação CCB)
Emília Ferreira (directora do MNAC)
Emília Tavares (curadora)
Fátima Fernandes (arquitecta)
Fernando Manuel Alves Rodrigues (engenheiro civil)
Filipa Ramalhete (antropóloga e professora)
Filipa Ramos (curadora)
Filipe Mónica (arquitecto)
Francisco Vidal (artista)
Gabriela Vaz-Pinheiro (artista, curadora)
Gonçalo Byrne (arquitecto)
Gustavo Sumpta (artista)
Helena Botelho (arquitecta)
Helena de Freitas (curadora)
Henrique Pavão (artista)
Inês Grosso (curadora-chefe do Museu de Serralves)
Inês Lobo (arquitecta)
Irene Flunser Pimentel (historiadora)
Isabel Capeloa Gil (reitora da Universidade Católica Portuguesa)
Isabel Nogueira (historiadora da arte)
Jacinto Lageira (filósofo, Paris I, Panthéon Sorbonne)
Jesse James (curador)
João Favila (arquitecto)
João Gomes da Silva (arquitecto paisagista)
João Luís Carrilho da Graça (arquitecto)
João Louro (artista)
João Manuel Alves Rodrigues (engenheiro civil)
João Mendes Ribeiro (arquitecto)
João Pinharanda (curador)
João Quintela (arquitecto)
João Santa-Rita (arquitecto)
João Silvério (curador e escritor)
Jorge Figueira (arquitecto)
José António Bandeirinha (arquitecto e professor)
José Fernando Gonçalves (arquitecto e professor)
José Maçãs de Carvalho (artista, professor universitário)
José Manuel dos Santos (director revista Electra)
José Pedro Cortes (artista)
Jorge Molder (artista)
Juan Araujo (artista)
Leonor Nazaré (curadora)
Luís Santiago Baptista (arquitecto)
Luísa Especial (curadora)
Luiz Camillo Osório (curador e crítico brasileiro)
Manuel Aires Mateus (arquitecto)
Manuel Costa Cabral (curador)
Manuel Portela (investigador e professor)
Margarida Medeiros (investigadora e professora)
Maria Coutinho (historiadora da arte e professora)
Maria Filomena Molder (filósofa)
Maria Manuel Oliveira (arquitecta)
Mariana Viterbo Brandão (curadora e produtora)
Marta Mestre (curadora)
Marta Sequeira (arquitecta)
Miguel Nabinho (galerista)
Nuno Centeno (galerista)
Nuno Grande (arquitecto)
Nuno Faria (curador)
Nuno Nunes-Ferreira (artista)
Nuno Sousa Vieira (artista)
Patrícia Barbas (arquitecta)
Paulo David (arquitecto)
Paulo Martins Barata (arquitecto)
Paulo Mendes (artista e curador)
Paulo Tormenta Pinto (arquitecto)
Pedro Bandeira (arquitecto)
Pedro Calapez (artista)
Pedro Campos Costa (arquitecto)
Pedro Cera (galerista)
Pedro Falcão (designer)
Pedro Lapa (curador e professor)
Pedro Pousada (artista e professor)
Pedro Reis (arquitecto)
Pedro Tudela (artista)
Raquel Henriques da Silva (historiadora da arte e professora)
Ricardo Bak Gordon (arquitecto)
Ricardo Carvalho (arquitecto)
Ricardo Vieira Lisboa (curador)
Rita Gaspar Vieira (artista)
Rui Bebiano (historiador)
Rui Cepeda (critico)
Rui Chafes (artista)
Rui Mendes (arquitecto)
Salomé Lamas (artista)
Sérgio Fazenda Rodrigues (arquitecto e curador)
Sílvia Chicó (crítica de arte e professora jubilada)
Sofia Nunes (historiadora da arte e investigadora)
Sofia Pinto Basto (arquitecta)
Susana Ventura (crítica e curadora)
Teresa Quintela (jornalista)
Teresa Seabra (directora Galeria Cristina Guerra)
Tiago Montepegado (arquiteto e galerista)
Tomás Hipólito (artista)
Vasco Barata (artista)
Vera Cortês (galerista)
Victor Beiramar Diniz (arquitecto paisagista)

Por lapso, alguns nomes, não subscritores do comunicado, foram indevidamente incluídos numa lista interna da AICA.